terça-feira, 26 de maio de 2015

OS POBRES E A SAÚDE

P.S. - após a greve citada no texto abaixo, os médicos conseguiram que a prefeitura implantasse sua reivindicação. No último concurso, aberto em junho/2015, o salário do médico das UBS pode chegar a R$ 14.331,20, desde que o interessado aceite trabalhar pelo menos 24 horas por semana, ou 4,8 horas por dia útil. Nada mal, hein? O concurso foi feito pela Fundação VUNESP.

Parece que, pelo menos em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, ficou bem claro por que a população tem de esperar 3, 4 ou mais horas para receberem atendimento médico nas Unidades Básicas de Saúde - UBS. Isso quando não têm de voltar para casa sem atendimento. É um caso que merece uma análise mais detalhada porque joga luz em todas as unidades do SUS espalhadas pelo Brasil.

Os médicos que prestam atendimento nessas unidades iniciaram uma campanha em maio de 2015 por melhores salários e condições de trabalho. Reivindicam um piso salarial de R$ 12 mil. Para quem não sabe, como eu não sabia até o momento em que escrevi este texto, a carga horária desses médicos é de 20 horas semanais, segundo edital da prefeitura de Rio Preto, n. 001/2011, que tentou contratar, entre outros, clínico geral, psicólogo e pediatra, provavelmente as 3 especialidades mais procuradas pelos pacientes.

Segundo pude apurar, essa é a carga horária mínima que pode ser exigida desses profissionais, conforme Portarias do Ministério da Saúde 2.488/2011 e 3.124/2012 para os NASF 1, 2 e 3 - Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

Mas, voltando à vaca fria, enfim ficou claro o que os médicos não aceitam: trabalhar 20 horas semanais recebendo em torno de R$ 4 mil. É o que a população, a imprensa e o Ministério Público já constataram inúmeras vezes, quando vão aos postos médicos e não os encontram por lá. Some-se a isso que nos últimos 6 anos 56 médicos pediram demissão (exoneração) dos seus postos de trabalho nas UBS, comprovando seu descontentamento e repúdio ao salário atual.

E para confirmar definitivamente tal posição, a reivindicação no mais recente movimento da categoria ainda informa qual seria o patamar salarial aceitável para que cumprissem 20 horas semanais nas UBS: R$ 12 mil. Ou seja, muito longe da realidade. Não podemos deixar passar a oportunidade de calcular, mediante o valor que os médicos consideram justo pelas 20 horas semanais, qual o tempo que corresponderia ao atual valor recebido. Vejamos: 4 mil reais corresponde a um terço dos 12 mil reais pretendidos. Então, se calcularmos um terço das 4 horas diárias hoje obrigatórias, descobriremos que o atual salário, pela visão dos médicos, paga apenas 1 hora e 20 minutos. Realmente, se cada médico comparece apenas 1 hora e 20 minutos por dia, ou 6 horas e 40 minutos por semana, torna-se totalmente compreensível as longas horas de espera a que são submetidos os pacientes.

Em que pese os mais recentes prejuízos à população, devido o movimento deflagrado pela categoria médica, vejo essa conclusão como algo extremamente positivo para todos os envolvidos. Até agora, os pacientes esperavam horas ou não eram atendidos, os médicos não cumpriam sequer as 20 horas semanais nas UBS e o governo pagava por serviço não prestado e posava como culpado pela falta de atendimento à população. Ou seja, todos perdiam. Inclusive os médicos, que se submetiam a um trabalho onde visivelmente estavam muito insatisfeitos, cometendo a grave falta de não comparecerem ao trabalho que haviam aceitado.

Ao que parece o movimento dos médicos teve início com a adoção do ponto de jornada eletrônico a que começaram a ser submetidos. Que por sua vez foi implantado porque os pacientes não aguentavam mais - e com toda razão - esperarem mais de 5 horas para receberem atendimento. É a velha lei de ação e reação. Os médicos afetaram os pacientes, que afetaram o Ministério Público, que afetou o governo, que afetou os médicos, que agora disseram: pára que vamos descer!

Pelo menos a partir de agora as cartas estão abertas na mesa. Os médicos não fingem mais que trabalham, a prefeitura não finge mais que controla seu comparecimento ao trabalho e os pacientes não recebem mais desculpas esfarrapadas. Algo vai acontecer de concreto, nem que seja apenas o reconhecimento, por parte do governo, de que é incapaz de oferecer atendimento médico gratuito à população.

Apenas um adendo: fica difícil entender a exigência salarial reivindicada pela categoria médica, quando seu próprio sindicato firmou, com o sindicato dos hospitais e vigente até agosto de 2015, convenção coletiva de trabalho, onde consta que o piso da categoria, para 20 horas semanais, é de R$ 3.300,00. Na data em que escrevi este texto, 26/05/2015, a citada convenção estava disponível neste endereço: http://www.sindhosp.com.br/convencoesEAcordosColetivos.asp?area=M%E9dicos&id=8215

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