quarta-feira, 23 de março de 2016

VITTORIO MEDIOLI A confiança decepcionada

Encontrei este artigo do ex-deputado e empresário Vittorio Medioli, publicado no SUPER NOTÍCIA, que leio sempre. Ele conseguiu colocar em palavras o que eu pensava, de forma muito definitiva. Espero que me perdoem não ter pedido consentimento prévio, mas deixo bem claro a fonte, o autor e a data do texto opinião.

PUBLICADO EM 13/03/16 - 03h30 no jornal O TEMPO e em 20/03/2016 no SUPER NOTÍCIA

No sistema parlamentarista, o governo cai quando perde o apoio da maior parte do Legislativo.

Quando acaba a confiança em suas ações, encerra-se de imediato a questão. Não precisa criminalizar ninguém ou encontrar mazelas do mandatário. Novas eleições ou novo pacto substituem o que se esvaziou.

O chefe de governo, cessando a confiança da maioria, apenas renuncia automaticamente. Limpa suas gavetas e volta pra casa sem apelação. Pode polemizar e dizer o que quiser, concorrer a novo mandato ou se retirar da vida pública. Não precisa provar delitos ou crimes; a falta de confiança, manifestada por maioria ou apenas por derrota de suas propostas legislativas, encerra sua autoridade. O mandato apenas se esvazia, seca, até cair no vazio.

Já na antiga Roma, a perda de confiança do imperador, quando anunciada por um emissário credenciado, permitia ao destituído um curto momento para cortar as veias numa banheira de água quente, antes que a execução se consumasse por um carrasco qualquer em praça pública. Nero “destituiu” dessa forma Sêneca, seu “primeiro-ministro”.

A destituição do cargo de chefe do Executivo no Brasil não tem uma liturgia definida. Rito confuso e demorado. Ocorre por vias necessariamente traumáticas e depois de longas batalhas jurídicas.

O presidencialismo tupiniquim, embora existam bons presidencialismos no planeta, é papal, messiânico, concede tudo e não cobra nada. A ausência de uma fórmula de revogação automática, que se daria pela falta de confiança, impõe o rito primitivo por imputação de crime, por falta de decoro, desconsiderando pecados de má administração.

O fracasso, o aniquilamento da economia e da república não entram na lista das razões que levam à perda do cargo conquistado nas urnas. As urnas concedem ao investido a presunção da infalibilidade, da inviolabilidade, concedem-lhe qualquer poder e poucas responsabilidades. No limite do absurdo, ninguém veta ao eleito trancar-se dentro de um palácio e se deleitar no jardim com éguas e cavalos até expirar seu mandato.

O eleitor passa a ser refém de seu voto por anos desesperadores. 

É necessário mover montanhas para caçar um prefeito, governador ou presidente. E, pior, a decisão depende de parlamentares muitas vezes maculados pelos mesmos pecados.

Um presidente que tome dezenas de decisões catastróficas, cercado de incompetentes e de uma montanha de apaniguados inúteis, de corruptos, ainda que venha a destruir a economia nacional, produzir milhões de desempregados, não poderá ser afastado de suas funções.

Collor, com a inflação em 80% ao mês, o Brasil mergulhado na catástrofe, na corrupção, perdeu o cargo quando apareceu um carro popular pago com um cheque do tesoureiro de campanha. Ter arrebentado o país não foi o motivo. Sem esse cheque, continuaria no Planalto, Itamar não assumiria, e o Plano Real não salvaria o Brasil.

O sistema brasileiro confia na sorte. Protege a incompetência e a irracionalidade. A importância de um programa de governo é nula, no sistema vale mais um João Santana do que um Winston Churchill.

A falsidade ideológica em campanha é perdoada. Valoriza-se mais o rótulo, o jingle, do que o conteúdo do candidato. Na hora de tragar o que estava atrás do rótulo vêm a surpresa e a impossibilidade de se esquivar.

O sistema presidencialista no Brasil faliu. Mostra limites estreitos, não dá à nação a possibilidade de revogar os mandatos, de interrompê-los por justa causa, por falhas no alcance das metas ou pelos resultados insuficientes.

Como a Lei de Responsabilidade Fiscal, tão contestada no momento da sua aprovação, se transformou num importante instrumento de defesa do erário, precisa-se vincular o eleito ao cumprimento de metas. O mandato não pode ser incondicionado, representar um cheque em branco que se presta a qualquer estelionato.

No Brasil, as formas para interromper um mandato que fracassa são improváveis e de custo social muito elevado. Nos últimos 70 anos, tivemos interrupções por golpe, suicídio, renúncia, impeachment. Podemos e devemos ter, no Brasil, outras vias mais práticas e democráticas. 

Como a folha que cai e abandona a árvore que a gerou, assim o chefe de um Executivo não precisa ser arrancado. Sua incompetência, seu descompromisso, seus estragos são motivos para tirá-lo sem tumulto, para retirá-lo do cargo a qualquer momento.

Cessariam a arrogância e o distanciamento do cínico poder a que assistimos.

As atenções, mais que aos partidos e aos parlamentares, ou à discussão de privilégios e negociatas, se voltariam para quem paga a conta, a população.
Essa falha já custou caro demais ao Brasil.


domingo, 13 de março de 2016

O DEFEITO PERFEITO NO CÉREBRO

Ontem assisti a um filme do qual gostei muito: O Jogo da Imitação. É o nome de um dos trabalhos acadêmicos do grande matemático inglês Alan Turing.

Alan Turing é um dos pais da computação. A máquina que desenvolveu, para decifrar a criptografia utilizada pela Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial, é considerada um dos primeiros computadores. A teoria de seu funcionamento é utilizada até hoje nos livros da área e recebeu o nome de “máquina de Turing”, em sua homenagem.

Turing é um dos gênios matemáticos que passaram pela Terra, tão precoce quanto outros nomes famosos. Tem-se oportunidade de conhecer em detalhes, através do filme, como pensa e se relaciona com o mundo uma pessoa que tem esse dom que é ao mesmo tempo uma maldição.

Fiquei emocionado ao descobrir que conseguiram colocar num filme, de maneira muito realista, as dificuldades de adaptação à vida real de pessoas assim, de pessoas como eu. Os filmes a respeito de matemáticos famosos a que havia assistido, até agora, nunca conseguiram captar esse ponto de vista com realismo.

Costumo dizer que, para fazer o que fazemos, para gostar do que gostamos, é preciso nascer com o defeito certo no cérebro. Somente a idade me mostrou que as dificuldades de convivência social que sentia proviam desse defeito perfeito.

Acredito ser essa a causa de uma desistência em torno de 50%, nos cursos da área de informática, logo no primeiro ano. Muitos do público que gosta de videogames pensam ter aptidão para a carreira, mas logo descobrem que os desafios inerentes à área exigem um ajuste a mais de alguns parafusos, que nem todos têm. Até parafusos tortos parecem ajudar.

Ele nos permite sentir extremo prazer ao passar horas e horas tentando decifrar ou descobrir uma solução para um problema lógico, matemático. Praticamente não há frustração nessa busca. É uma obsessão incontrolável que derrama serotonina o bastante para fazer com que o cansaço só seja percebido após muitas horas de esforço mental. E só há prazer em recomeçar no dia seguinte.

Mas ao mesmo tempo, como ficou bem demonstrado no filme, a convivência social se torna um fardo. O relacionamento com as pessoas precisa ser estudado, conceituado e rotulado, como acontece com Turing no filme, para que consigamos dar alguns passos, enquanto a maioria das pessoas já andaram várias quadras. Como um ET, relacionar-me com as pessoas é um aprendizado muito mais difícil do que qualquer problema matemático com que já tenha me deparado.

domingo, 6 de março de 2016

O VALOR DA PALAVRA NO BRASIL E SUA CONSEQUÊNCIA PARA A CORRUPÇÃO

Qual o valor da palavra na cultura brasileira? Eu penso que é pouco. Muito pequeno.
É um atributo tão raro e, por assim dizer, inesperado, que indivíduos que a têm são guardados nas histórias que o povo espalha pelo tempo.

Como sempre, o governo é sempre apontado pelos maus exemplos. Mas, afinal, não se poderia esperar nem exigir um comportamento da população que o próprio governo não pudesse exemplificar. Principalmente quando algum político é pego e encarcerado pela justiça, recebendo uma indevida propina. Mas depois de analisar a culpa do governo no caso específico do peso deu sua palavra, conclui que ele é um professor muito didático para o mau comportamento dos brasileiros.

Não é nem pelos casos de corrupção que se multiplicam em tempos de lava jato. O contato da população com a falta de palavra do governo é muito mais explícita e numérica. Toda vez que um paciente procura um posto de atendimento médico, conhecidos hoje por UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e não consegue ser atendido, seja pela falta de médico, medicamento ou alguma greve da ocasião, ele sente na pele a falta de palavra do governo.

Porque o governo disse a todos nós que, se pagássemos impostos, teríamos atendimento médico  gratuito, segurança pública e escolas. E cada falha nesses serviços, às quais os brasileiros são submetidos diariamente, 365 dias por ano, demonstra que o governo não tem palavra. Hora, de quem poder-se-ia e dever-se-ia esperar o principal exemplo? E, na prática, qual o exemplo que está sendo dado? De que a palavra não tem valor algum.

Essa quebra de contrato, essa falta de palavra não é tão explícita quanto em outros casos como o da farsa da redução no valor da conta de energia elétrica, por exemplo. Nesse caso, a grande maioria da população sequer desconfiou da brutal quebra de contrato que o governo praticou, pois não ocorreu diretamente com ela, mas com as distribuidoras e geradoras de energia. Mas é outro típico exemplo de falta de palavra. Dessa vez prevista em contrato, preto no branco. É uma das constantes reclamações dos investidores: recorrente quebra de contratos por parte dos governos brasileiros, incluindo estados e municípios.

Mas como a psicologia apregoa e nossa experiência comprova, o exemplo ensina. E quando o governo falha ou deixa de fornecer uma necessidade básica à população, como o carro quebrado por um buraco na estrada ou a demora de 2 horas para chegar em casa depois do serviço, através do transporte público, mesmo que subliminarmente é isso que o governo está ensinando à população: no Brasil a palavra não vale nada.

Fica difícil esperar, então, uma real e quantificável mudança de atitude, de cultura, no que diz respeito à corrupção. Afinal, o valor da palavra, e por consequência seu cumprimento, não é a espinha dorsal da moralidade?

Antes que alguém ponha palavras em minha boca, esclareço: isso não é uma desculpa para quem não resiste ao canto da sereia Propina. Honestidade, como outros valores morais importantes, vem de berço, que só uma família estruturada ou ao menos um pai ou uma mãe seguros como o mastro de um navio conseguem transmitir. Mas como família, na verdadeira acepção da palavra, é artigo de luxo nesses fins de tempos, um governo sem palavra pode ser o empurrão que faltava na beira do precipício.