domingo, 26 de outubro de 2014

BRASILEIRO - CRIADOR DE RATAZANAS

Vou contar uma história que já não me lembro mais qual a fonte. É uma história verídica que eu li há algumas décadas.


O Exército Brasileiro mantém uma base muito famosa na selva Amazônica. Admiro muito aqueles que têm coragem de passar uma temporada em treinamento naquelas paragens.

Certa época começaram a aparecer ratazanas pelo acampamento. O comandante, temendo que esse bichos abomináveis pudessem transmitir algumas doenças graves e sem poder gastar devido o orçamento medido e restrito do militarismo, teve uma ideia visando o extermínio dos indesejados animais: cada militar que trouxesse 6 ratos mortos ganharia alguns dias de folga. Minha memória já me engana se seriam 1 ou 3 dias de folga. Mas isso é de menos importância para a conclusão que buscamos.

A ideia do oficial superior deu certo. As ratazanas desapareceram. Todavia o número de folgas não. Desde os primeiros dias, quando a infestação dos bichos era alta e após o sumiço deles, o número de folgas não baixou. Sempre havia alguém com 6 ratazanas mortas para trocar pelas folgas.

Intrigado, o comandante mandou investigar e não demorou para descobrir a resposta desse mistério. Animados pela sistemática de folgas implantada, os soldados arrumaram, num galpão abandonado e meio afastado do quartel, um criadouro de ratazanas. Assim garantiram, aos que participassem da empreitada, folgas por tempo indefinido.

Não sei se essa é uma característica do ser humano. Mas com certeza é uma característica do brasileiro. Cito mais dois exemplos práticos. O seguro desemprego é uma medida muito bem vinda. Ajuda o trabalhador num momento de incertezas, em que tenta encontrar novo trabalho para sustentar sua família. Como é de amplo conhecimento, hoje é comum que o trabalhador solicite ao empregador que retarde, pelo tempo total em que a legislação lhe permite receber o citado seguro, o preenchimento de sua carteira de trabalho, formalizando o novo emprego, para que, mesmo tendo encontrado um novo trabalho, possa continuar usufruindo do seguro desemprego. Assim, embora tenha encontrado já um novo trabalho, o seguro desemprego vira uma complementação ilegal em sua renda, desvirtuada, por ele já não se encontrar mais desempregado.

Outra aplicação do mesmo princípio acabo de descobrir. A repetência e o abandono no ensino médio são muito maiores do que no ensino fundamental. Um dos motivos deve ser o mau hábito causado pelo sistema chamado progressão continuada, aplicado ao ensino fundamental. Para quem não sabe, progressão continuada é um sistema aplicado entre o 1o e o 9o anos do ensino básico. Atualmente, no estado de São Paulo, o aluno matriculado no ensino público pode repetir apenas nos 3o, 6o e 9o anos do ensino fundamental.

Voltando à vaca fria: o aluno que ingressa no ensino médio pode repetir a cada ano. Com isso há um abandono da escola muito maior do que nos anos do ensino fundamental. O aluno prefere esperar completar 18 anos e fazer o EJA - Educação de Jovens e Adultos. No meu tempo isso se chamava MOBRAL. Em resumo, no sistema EJA o aluno consegue fazer em alguns meses o que ele levaria alguns anos para concluir, sem as dificuldades de aprovação do ensino médio. Ou seja, um sistema que seria uma exceção, para ajudar aqueles que não puderam frequentar a escola normalmente, se transforma em regra.

A palavra que mais se aproxima da criação de ratazanas seria estelionato. Segundo a lei, estelionato é obter vantagem ilícita (folgas/seguro desemprego/diploma), em prejuízo alheio (o Estado e a sociedade que custeiam o benefício), induzindo ou mantendo alguém (o Estado e a sociedade) em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Eu tenho uma outra definição para a criação de ratazanas: é forjar deliberadamente uma situação para usufruir de alguma vantagem. A situação é criada artificialmente, pois ela não existiria no mundo de maneira natural. Portanto a vantagem torna-se indevida. Não sei se existe alguma ciência que possui uma palavra específica para essa descrição, como existe para a palavra falácia. Se alguém souber agradeço.

Apesar de não concordar e procurar manter-me longe da criação de ratazanas, não julgo quem o faça. Nosso país não possui uma cultura que permita ao cidadão honesto gozar de todos seus direitos como deveria. Sigo minha consciência.

Mas torço pelo dia em que as criações de ratazanas sejam raras, por esse Brasil afora.

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